segunda-feira, 29 de outubro de 2012

À deriva, navegante!

Pegou então o barco, e entregou-se à deriva
Não há escolha senão o risco
Morte, até! não temia
Atena acena, ao leste, abençoa
Dá guia ao sonhador

"Segue! Netuno abre-lhe os mares para que navegue"

Segue o derivante, sob sol ardido
Que adentra os abismos marinhos
Vê-se a fauna abissal
Vê-se o ventre, o cerne, o âmago
Não há coisa que se esconda ou camufle sob estes raios

Ah, e não teme o derivante
Seu coração segue a flecha inflamada
Que corta o topo do céu, em direção ao infinito
Há um mundo a desbravar

Há que ir de encontro à Vênus
Que ao poente, exuberante, o espera
E garante-lhe encontros enriquecedores
Quer-se seguro? Segura!
Firma a mão no remo e segura!
Que nada há de certo quando se larga à aventura

Entenda, marujo
Que o barco não lhe veio à toa
Da popa à proa, sua barca é confiada
À você foi dada por missão
Muitos hão de gratificar-lhe a empreitada

Coragem não falta
Tão pouco abstração
Imaginação
Atende ao chamado de Plutão
Teu coração é grandioso, grandiosos hão
De ser teus passos, se não perdidos na inflamação
Na diversão, diversificação
Foca o olhar, afia a língua
Esquenta o peito, abre o coração

Toca o barco, rema fundo
Fundo, fundo, funda ação
São, sois
sóis, sais
Sal da terra
Segue sais
Sal marinho, nunca só

sábado, 20 de outubro de 2012

Trabalho de auto-conhecimento através da leitura de imagens, associando memórias de minha infância - através de registros fotográficos - e minhas produções estético/artísticas atuais




 Primeira foto: eu, com idade provável entre 3 e 5 anos, sunga rosa, de costas e me virando para mirar entusiasmadamente outras crianças brincando na água, enquanto estou no colo de minha mãe. Ela está no centro, maiô preto, me envolvendo com os dois braços, me elevando quase acima de sua cabeça. à direita, a terceira pessoa é meu pai, sunga preta, à sombra de minha mãe, quase que salta tentando aparecer no retrato. O cenário é um clube de férias em Santa Isabel ao qual fui inúmeras vezes quando criança, junto com minha família. Estamos os três cercados por água e pela cor azul. É dia de céu limpo e muito sol.

 Segunda foto: altar doméstico, feito por mim, localizado em um dos quartos de casa. Definem-se claramente três figuras/objetos/personagens: à esquerda, um recipiente rosa, de dentro emergindo uma chupeta; Ao centro, uma imagem de Oxum (orixá das águas doces e cachoeira, do amor, da beleza, da feminilidade, etc) em frente a um leque de madeira, pintado com figuras de aves; à direita, vemos uma caixinha preta, quadrada de bordas arredondadas, usualmente utilizadas para guardar alianças, colares, etc. Dentro dela há um quartzo rosa. Recorte de uma fotografia tirada por mim com um celular.

 Inúmeras relações - que a princípio me deixaram abismado - pude criar entre as duas imagens. A primeira delas é o fato de inquestionavelmente haver três objetos/momentos/personagem, dispostos de forma similar na foto, havendo um ligação entre cada um deles em ambas as imagens.
Eu me vejo representado pelo recipiente rosa (que lembra a cor de minha sunga), em formato de caldeirão, com bordas retorcidas. Dentro dele há dois brincos dourados de argola, um colar de miçangas em tons de dourado, e sobre tudo isso, uma chupeta lilás. Os três objetos tem valores energéticos/espirituais/sentimentais muito grande para mim.

 O dourado das bijuterias está claramente relacionado à figura do meio, Oxum. No candomblé se veste Oxum com muito dourado, que é sua cor. Colares, brincos, braceletes de ouro também são comuns. Oxum é minha mãe espiritual, e na fotografia, a imagem sagrada representa minha mãe carnal, e todo o peso psicológico do arquétipo da mãe. No altar esta mãe está destacada por um leque, uma aura. Dentro de mim (interior do vaso) carrego os resquícios, as marcas (brincos, colar) da relação com essa figura materna, guardares emocionais que se mantém invisíveis ao olhares externos, enterrado sob a chupeta, e toda sua força simbólica. Minha mãe é taurina, e meu ascendente também é touro, signo voltado aos sentidos físicos e ao mundo material (memórias/cicatrizes materialmente representadas por jóias dentro do vaso rosa), regido por Vênus (Deusa análoga à Oxum). O ascendente é a forma de autoafirmação do indivíduo no mundo, e no meu caso ela se dá de maneira material, sensorial, estética.

 Por fim, vemos meu pai, representado pela caixinha preta (sunga preta) quadrada (forma geométrica associada ao masculino/linha reta, em oposição ao círculo/feminino, linha curva). Esta caixa se abre em duas metades (meu pai é do signo de peixes, signo mutável, representado graficamente por dois peixes, um em queda, outro em ascensão) como uma concha, dentro se vê uma pérola (quarto rosa - sunga rosa). Este quartzo foi energizado para atuar na vibração do chacra cardíaco, para estimular o amor próprio. Peixes é o signo da redenção espiritual através do amor universal, da consciência da unicidade, da compaixão. É o mártir, é o Cristo. Mas também é a queda nos vícios, na fuga da realidade, na autodestruição. Esse é meu pai, meu principal exemplo de figura masculina, e eu, esta pedrinha miudinha (quartzo) de aruanda, me vejo rodeado por essa sombra (caixa preta).

 Quanto mais observo, mais relações ficam evidentes. Seriam essas semelhanças tentativas inconscientes de reviver estes momentos, de reafirmar estes arquétipos, de extravasar sentimentos recalcados, reprimidos, de aliviar tensões internas?

sexta-feira, 19 de outubro de 2012

Relicário

 Guardo em mim resquícios de beleza, momentos de inteireza, sentimentos de pureza. Guardo a natureza, e tudo que há de mais natural, essencial. Guardo o dourado das tintas de Klimt. Guardo o azul do Bispo do Rosário. Guardo o balanço suave dos cânticos sagrados do candomblé. Guardo, à sombra do meu sol em Capricórnio, um canceriano frágil, à deriva em marés sentimentais, preso em minha couraça feita de tudo aquilo que guardo, e que me guarda.
 Guardo os cachos de Clara Nunes. Guardo o sorriso irresistível de Maria Bethânia. Guardo o feminino, o yin  Guardo o aconchego do colo, do abraço, do toque. Guardo Oxum, Nanã, Iemanjá. Guardo o toque de Ijexá. Guardo Iansã, sua inquietação e sua força motriz.
 Guardo um leque. Guardo uma lua de cristal. Guardo um muiraquitã. Guardo alguns beijos que me fizeram imergir em estados absolutos de carinho e de troca.
 Guardo as memórias de infância. Guardo os bonecos com os quais criava personagens, estruturava personalidades, atribuía a eles capacidades sobre-humanas, tecia narrativas. E tudo era real.
 Em meio a tantos guardares, eu me guardo em meu relicário. Pois, talvez, sendo tamanha a sensibilidade, minha melhor defesa sejam os tesouros incompartilháveis que carrego comigo.

domingo, 12 de agosto de 2012

Vômito

Eu me calo
Para não mandá-lo
Às feras famintas
Ao pântano podre
Ao pobre diabo que lhe carregue!

Eu me recuso a expressar-lhe raiva
Pois seria atenção maior do que merece
Eu não mereço
Eu me poupo
Do teu orgulho e da tua vaidade
Bastam os meus

Esta carta não enviarei a você
Escrevo para mim, para não engasgar
Com sapos engolidos, vomito-os todos
Para não adoeçer com a sua ingratidão

quinta-feira, 2 de agosto de 2012

Olhos pra que te quero
Se tenho o amor para me guiar?
O amor é cego
Não necessito de ti, olhar

sexta-feira, 20 de julho de 2012

Dia do Amigo


Meus amigos são de todos os dias, desculpe
Um dia é pouco
O tempo do espírito é outro
Meus amigos são de sempre, de cada dia
E as amizades seguem o ritmo dos astros
Da vida, eterna impermanência

Meus amigos são do mundo
Cada troca, cada palavra
Cada pequena gentileza uma amizade feita
Efêmera mesmo, e bela por isso

A poesia é minha amiga
A arte é minha amiga
O afeto, um dos melhores
A alegria já é de casa
Até a dor é minha amiga
Ainda que eu seja ingrato com ela

Meus amigos são aqueles que carrego
Nas lembranças, no coração
Aqueles que guardo
No bilhete amassado, colado em meu diário
Na foto clicada, uma alegria eternizada
Colada nas memórias da minha vida
A gratidão por essa vida

Se hoje é dia da amizade
Eu digo que tal se dá
Num instante, numa inteireza
Numa constante troca, delicadeza
Na confiança em si e na vida
E no outro em sequência
Na ciência de que amor é mais
Afeto é mais
é maior, é para o mundo
E que amigos
São os que te acompanham a caminhada
Sem prender teus passos
E contribuem em tua jornada
Sem esquecer da própria

E a vida baila.

domingo, 4 de dezembro de 2011

E se findar?

Se o mundo acaba hoje
Acabo em alegria
Me desfaço em purpurina
Danço, danço em sintonia
Com o a paz que me é digna

Se o mundo acaba hoje
Torno a ver minha infância
Aplaudindo em reverência
A inocência da criança
Que ri em meu riso

Enquanto escrevo o mundo acaba
E nada pode ser mais trágico
Nada pode ser mais rico
Nada pode ser mais lindo
E findo
Fim